Angola e a Suíça assinaram ontem um Memorando de Entendimento em matéria penal, entre Angola e a Suíça, rubricado pelo procurador-geral da República, Hélder Pitta Gróz, e pelo embaixador da Suíça em Angola, Nicolas Herbert Lang.
De acordo com Hélder Pitta Gróz, esse acordo é importante para as actividades futuras da PGR, visto que esse órgão já estabeleceu relações de trabalho com as autoridades suíças, mas não havia uma base legal para este funcionamento. Segundo o magistrado, o que se fazia era por boa vontade e solidariedade, que agora passa a ter uma base legal para continuar a trabalhar de forma mais eficiente e eficaz.
O dirigente explicou ainda que esse memorando vai permitir a Angola ter acesso a muito mais informações de outros países.
Sobre o valor depositado nos bancos suíços, o procurador-geral da República disse acreditar que do montante avançado pelo embaixador suíço em Angola, seja parte do dinheiro que foi transferido ilegalmente do país.
Sobre o valor exacto recuperado até ao momento, o procurador-geral da República disse que “é difícil avançar um valor certo, porque são questões que à medida que vamos obtendo informações seguimos perseguindo esses valores”. Questionado se o Memorando de Entendimento constitui também uma base legal para a recuperação de activos ligados ao caso Carlos Manuel de São Vicente, Hélder Pitta Gróz evitou entrar em detalhes, mas reconheceu que “provavelmente” vai contribuir. O processo de Carlos São Vicente, reforçou, está em tribunal. “Vamos aguardar o resultado do julgamento”, salientou.
Recuperação de activos mais célere e segura
Na sua intervenção antes da assinatura do acordo, o procurador-geral da República destacou que o Memorando, por si só, traduz o reconhecimento da República de Angola e da Confederação Suíça que a cooperação internacional é um incontornável pressuposto para a realização da justiça transnacional.
Esclareceu que o documento “é resultado de um trabalho aturado entre as partes, motivadas pelo desejo de reforçarem as relações de cooperação no domínio penal, relações até então mantidas com base na amizade, reciprocidade e no reconhecimento mútuo entre os dois Estados”.
A recuperação efectiva de activos, adiantou, reserva à PGR, com a celebração deste Memorando, um amplo âmbito de aplicação, que passa por notificações de actos judiciais, recolha de depoimentos de testemunhas, buscas, apreensões e congelamento de bens, rastreio e identificação de rendimentos ilícitos, bem como transmissão espontânea de informações.
Hélder Pitta Gróz explicou que a recuperação de activos, que tem sido uma das grandes prioridades da política criminal do Estado angolano, assume-se como uma das mais importantes soluções plasmadas no Memorando.
O documento, realçou, vai permitir que bens e activos domiciliados na Suíça e não só regressem ao país com maior segurança e celeridade.
“Com o Memorando, a PGR tem, à disposição, um instrumento bilateral valioso na persecução penal, que permitirá realizar, com maior celeridade, diligências processuais em conexão com o Estado Suíço e trazer às autoridades judiciárias angolanas os elementos essenciais à realização da justiça”, sublinhou.
O documento, reforçou, marca uma etapa importante nas relações mútuas entre os Estados, permitindo que no futuro sejam firmados acordos de Estado nos domínios da extradição e da transferência de pessoas condenadas que são, também, formas de cooperação que viabilizam a efectividade do direito penal.
A aproximação dos dois ordenamentos jurídicos – penais por intermédio deste acordo, esclareceu, num momento em que se operou recentemente em Angola a reforma legislativa no domínio penal, propicia um maior aproveitamento das valências da cooperaão, numa fase em que o país está melhor alinhado às exigências normativas penais e processuais a nível internacional.
Sobre o caso major Lussati, o procurador-geral da República garantiu que as equipas continuam a trabalhar de forma intensa não apenas em Luanda mas, também, em outras províncias. “À medida que os trabalhos são efectuados surgem novas revelações. O importante é que as equipas estão a trabalhar”, sublinhou.
Dois anos de negociações
O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, que testemunhou o acto, referiu que do montante referido durante a intervenção do embaixador suíço há, também, dinheiro angolano que foi transferi-do sem respeitar as leis e de modo criminoso.
O acordo, disse, vai propiciar criar as condições legais para que no futuro haja uma cooperação bilateral no domínio do repatriamento de capitais.
Sobre o processo que culminou com a assinatura do acordo, Francisco Queiroz informou que foram dois anos de contactos e negociações.
O ministro das Relações Exteriores, Téte António, também presente na cerimónia, disse que o Acordo vem reforçar a expressão de que Angola “é um Estado de Direito, que está disposto a cooperar com todos os países com os quais tem boas relações”.
Nesta matéria específica, adiantou, a Suíça tem sido um país exemplar. “Um acordo desta natureza serve de base no sentido de que ali onde se justificar, estaremos prontos a assinar, desde que de-fenda os interesses do país”, sublinhou.
“Dinheiro com origem ilegal deve ser devolvido”
O embaixador da Suíça em Angola, Nicolas Herbert Lang, disse que o Memorando de Entendimento assinado com Angola regula uma área central para as boas relações entre os dois Estados, com destaque para a cooperação em matéria penal.
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Os crimes(transferência ilícita de dinheiro), apontou, foram cometidos à custa do Estado angolano, em detrimento do povo. Por vezes, acrescentou, o dinheiro adquirido de maneira criminosa encontra como destino os bancos suíços.
“Muitas vezes está em jogo muito dinheiro, que não pertence à Suíça, e que a nossa praça financeira não precisa. É direito suíço que todo o dinheiro cuja origem ilegal tenha sido provada, seja devolvido, com base num procedimento de assistência jurídica”, esclareceu.
O diplomata acrescentou que isso se aplica, também, a todo o dinheiro de origem an-golana, indevidamente depositado em bancos suíços.
Graças a este instrumento, referiu, será mais difícil no fu-turo lucrar com a corrupção e outros actos criminosos, tan-to em Angola como na Suíça.
À imprensa, Nicolas Herbert Lang esclareceu que o Memorando vai facilitar a cooperação entre as autoridades encarregadas destes assuntos. O diplomata acrescentou que o Acordo representa um grande passo para reforçar a cooperação sobre um assunto que é muito importante para os dois países, sobretudo se considerar os montantes em jogo.
“Falamos de biliões, dinheiro este que no final deve ser devolvido ao povo angolano para contribuir para o desenvolvimento”.
Destacou que a Suíça continua a ser o número um do mundo em gestão de fortunas e gere, neste momento, 2,5 triliões de dólares de activos transfronteiriços.
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O diplomata, que rubricou o Memorando em representação do Governo Suíço, indicou que o montante representa mais de 25 por cento dos activos transfronteiriços do mundo sob gestão.
Os activos totais sob gestão na Suíça, acrescentou, ascendem a incríveis 8,7 triliões de dólares. “A nossa praça financeira conta com cerca de 250 bancos, 200 companhias de seguros e emprega directamente 220.000 pessoas”.
A Suíça, garantiu, quer absolutamente uma praça financeira limpa, pois o contrário seria prejudicial para a sua reputação, em particular para a sua praça financeira.
“Hoje temos uma das legislações mais rigorosas para prevenir a criminalidade financeira. Nenhum outro país de-volveu, até agora, mais fundos ilícitos aos países de origem e neste sentido já não existem contas bancárias anónimas. O sigilo dos clientes bancários estrangeiros foi abolido há anos”, informou.