O escritor Boaventura Cardoso é o vencedor da quarta edição do Prémio de Literatura Dstangola/Camões, com o romance “Margens e Travessias”, publicado no ano passado pela editora Mayamba, anunciaram quinta-feira, os promotores do galardão, o dstgroupcom e o Camões Instituto.
Segundo o júri, na obra premiada Boaventura Cardoso “recorre aos mesmos métodos que fizeram dele um dos melhores prosadores da História da Literatura Angolana: uma disciplina férrea, um profundo conhecimento da realidade, uma observação lúcida e inteligente de tudo quanto se vai passando à sua volta e constrói um romance que se constitui fundamental para quem queira conhecer a Angola do último meio-século”.
O júri, presidido por Irene Guerra Marques, filóloga e docente na Faculdade de Humanidades da Universidade Agostinho Neto, foi constituído pelo jornalista e escritor Carlos Ferreira e por Manuel Muanza, professor auxiliar no Departamento de Língua Portuguesa do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda.
A cerimónia de entrega do prémio, segundo a organização, será anunciada até ao final deste ano. Entre a ficção e a realidade, o romance “Margens e Travessias”, colocado no mercado em Fevereiro, no Museu da Moeda, reflecte de forma esporádica ou sintética alguns aspectos da trajectória histórica e da contemporaneidade do país.
No livro, de certo modo, também se podem encontrar elementos autobiográficos, por existir “toda uma carga histórica, emotiva e lúdica, na forma como são narradas vivências dos angolanos, umas mais recuadas no tempo e outras dos tempos mais presentes, destacou recentemente neste diário Boaventura Cardoso, que acrescentou que a obra “apresenta várias linhas de acontecimentos e tem a sua complexidade devido aos factos recriados pelas personagens e narrativas que requerem uma atenção particular do leitor”.
Sobre a obra, na sua apresentação o poeta e crítico literário Abreu Paxe fez, detalhadamente, a descrição dos acontecimentos, tempo, lugares, afeições, sentimentos, bem como a ligação entre homem/natureza, homem/ história, em que se destacam duas personagens.
Na contracapa do livro a professora brasileira da Universidade de São Paulo, Tânia Macedo, teceu o seguinte comentário: “A literatura angolana finalmente tem um épico que a representa magnificamente. A partir dos cursos, rios, portanto da geografia do território, em ‘Margens e Travessias’, a ficção se constitui em imagem fertilizada pela história. A escrita cativante do livro, o fluxo das águas, dos acontecimentos e das estórias constituem uma aventura literária das mais interessantes e estimulantes, pois, a partir do murmúrio dos rios, ouvem-se as falas dos mais velhos que nos revelam o passado, mas também os discursos dilemáticos do presente, atravessados pela política”.
Com uma linguagem peculiar, continua, o romance “deixa suas marcas muito mais como criação linguística do que como mimese do falar quotidiano dos angolanos, o mais recente livro de Boaventura Cardoso nos conduz a uma Angola ao mesmo tempo mítica e histórica, a partir de personagens que se envolvem em acontecimentos, alguns deles, historicamente verificáveis, mas que se sucedem no tempo, de forma que um dos protagonistas, por exemplo, percorre um arco temporal que excede a duração da vida do comum dos mortais.”
Para a escritora brasileira e professora reformada, Maria Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais, o romance de Boaventura Cardoso está “muito bem construído, histórias e estórias deslizam pelo drama, acompanhando cursos de rios e fluxos de memória que emergem de tempos e espaços diversos. Nas entrelinhas do drama, de forma bastante singular, o leitor se depara com fragmentos de uma outra narrativa que se passa nos bastidores da história recente de Angola”.
O escritor Boaventura Cardoso nasceu a 26 de Julho de 1944, em Luanda. Viveu os primeiros anos da sua vida na região de Malanje, tendo partido posteriormente para a cidade de Luanda. Aqui concluiu os estudos primário e secundário. Academicamente fez a sua formação na área das Ciências Sociais, com grau de licenciatura.
A partir de 1977 assumiu as funções de Director Nacional do Livro e do Disco, de Secretário de Estado da Cultura e de Ministro da Informação. Tendo despertado para as Letras ainda muito jovem, o autor começa por publicar, aos 23 anos de idade, contos e poemas nas páginas culturais de conhecidos jornais da capital. Integra a “Geração de 70”, ao lado de escritores como, entre outros, Manuel Rui, Jofre Rocha, Ruy Duarte de Carvalho e Jorge Macedo.
Membro fundador da União dos Escritores Angolanos e da Academia Angolana de Letras, de que foi o primeiro presidente, é autor dos livros de contos “Dizanga dya Muenhu” (1977), “O Fogo da Fala” (1980) e “A Morte do Velho Kipacaça” (1987); e dos romances “O Signo do Fogo” (1992), “Maio, Mês de Maria” (1997), “Mãe, Materno Mar” (2001) e “Noites de Vigília” (2012). Agraciado com o Prémio Nacional de Cultura e Artes em 2001, é membro honorário da Academia Palmense de Letras e Comendador da Ordem do Mérito Cultural desde 2006.
“Sou, sim, um observador lúcido da realidade”
A propósito da atribuição do prémio Dstangola/ Camões, ao romance “Margens e Travessias” de Boaventura Cardoso, o autor afirmou ontem, ao Jornal de Angola, ser “um observador lúcido da realidade”.