O gesto do Presidente da República, João Lourenço, em indultar vários presos condenados no país, durante a quadra festiva, está a merecer o reconhecimento de muitos sectores da sociedade civil angolana, que aconselham os beneficiários a fazerem um bom uso da oportunidade.
O Chefe de Estado assinou o Decreto, que devolve os presos abrangidos ao convívio familiar, no Natal, altura em que as famílias se reúnem para, entre outros fins, festejar e reforçar o laço de união e amizade entre os membros.
Ao todo, foram indultados 51 presos condenados em todo o país, sendo Luanda, com 11, a província que mais presos viu perdoados pelo Chefe de Estado. Esta é a segunda vez, desde que ascendeu ao poder, em 2017, que o Presidente João Lourenço concede indulto aos presos, sendo a primeira vez em Dezembro de 2022.
A iniciativa, enquadrada nas celebrações dos 50 anos da Independência Nacional, entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2025 e teve em consideração o bom comportamento e a ausência de perigosidade social apresentado pelos presos condenados seleccionados.
O presidente da Associação Mãos Livres, organização angolana de juristas e jornalistas vocacionada à defesa e difusão dos Direitos Humanos e ao exercício da cidadania, considerou o gesto do Presidente da República um acto de acolhimento que se enquadra no processo de reconciliação nacional e promove, por outro lado, a harmonia social.
“Isso é, também, um procedimento que, do ponto de vista dos direitos humanos, tem o seu valor”, destacou Guilherme Neves, para quem a medida chegou no bom momento.
“Pode acontecer de 5 em 5 anos ou de 10 em 10, independentemente da vontade do Presidente”, alertou.
O Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA) aplaudiu a iniciativa do Chefe de Estado e referiu que a mesma vai ajudar a promover, ainda mais, o espírito do perdão entre os angolanos.
“Muitos deles, naquele lugar, que temos tido a oportunidade de visitar, mostram arrependimento e vontade de voltar ao seio familiar, a fim de darem continuidade à sua vida, razão pela qual saudamos a iniciativa de Sua Excelência Presidente da República em liberar o perdão para estes homens e mulheres”, ressaltou o secretário-geral do CICA, reverendo Vladimir Agostinho.
O secretário-geral do CICA apelou, ainda, às igrejas a desempenharem o seu papel na vida de cada um dos presos beneficiários do indulto, de modo a que o processo de reintegração social seja um sucesso e que nenhum deles regresse à cadeia.
“A nossa responsabilidade é acrescida, no sentido de trabalharmos com estes irmãos e irmãs que estão a sair das cadeias, pois muitos deles precisarão de ser acompanhados, para, de facto, serem reintegrados na sociedade e continuarem, deste modo, a servir ao país, e às suas famílias”, frisou o reverendo Vladimir Agostinho, sublinhando que o gesto do Presidente reforça o seu papel de “Pai da Nação”, que sente a dor de um filho ou de uma filha encarcerada.
Um acto de perdão para qualquer criminoso
O jurista e académico Albano Pedro explicou que o indulto é um acto de perdão, previsto na Constituição, para qualquer criminoso que tenha sido condenado pela justiça angolana e é praticado no âmbito das competências do Chefe de Estado, enquanto Mais Alto Magistrado da Nação.
O académico precisou que o Presidente da República não é obrigado a conceder tal perdão e só o faz quando entende necessário. “É uma oferta, uma generosidade, uma faculdade do Presidente da República, que o exerce se quiser. Não há, em nenhum momento, na ordem jurídica angolana, nem na internacional, qualquer momento em que um Soberano tenha sido obrigado a conceder o indulto”, salientou.
Albano Pedro esclareceu que este tipo de perdão apresenta duas variantes, sendo o indulto e a comutação de pena. Na primeira variante, prosseguiu, o perdão permite o regresso do cidadão à liberdade, mas o registo criminal continua marcado, ao passo que na segunda variante o Presidente tem o poder de trocar a pena aplicada ao condenado.
“Se foi para 20 anos, o Presidente pode reduzir para 5, 10 ou para três meses”, disse.
O jurista referiu que a Ordem Jurídica Angolana não estabelece em que períodos do ano esse perdão presidencial deve ser liberado, mas adianta que, no quadro da regra costumeira e não legal, os Chefes de Estado, em todo o mundo, aproveitam o fim do ano para presentear os seus cidadãos com esse tipo de perdão de penas.
“É por isso que essa medida goza de simpatia junto dos penalistas e daqueles que acompanham o fenómeno prisional, porque, a dada altura, ajuda a esvaziar a cadeia e a reduzir o nível de descontentamento social, resultante do facto de alguns presos acharem que não deviam ser presos”, destacou Albano Pedro, para quem esses conflitos mancham as relações sociais.
O jurista aproveitou a ocasião para esclarecer a diferença entre o indulto e amnistia, destacando que este último tem a particularidade de ser um perdão do povo aos presos, praticado pela Assembleia Nacional, por intermédio dos deputados, ao passo que o indulto e a comutação de pena estão reservados apenas ao Chefe de Estado.
A amnistia, disse, é feita mediante uma lei aprovada pela Assembleia Nacional e o objectivo passa, também, por esvaziar as cadeias, reduzir o nível de gastos públicos com os detidos e oferecer uma segunda oportunidade ao preso, com a sua reintegração à sociedade.
Diferente do indulto, em que o beneficiário continua com o registo criminal manchado, Albano Pedro disse que na amnistia o crime é apagado na totalidade e a pessoa deixa de ser culpada pelo mesmo, como se o mesmo nunca tivesse cometido tal crime.
Não há limite para o número de indultados
O jurista Almeida Chingala disse não haver um limite legal para o número de presos que devem ser indultados pelo Presidente da República e que tal definição depende apenas do Chefe de Estado.
“A Constituição da República, no artigo 119.º, alínea n, dá ao Presidente da República plena discricionariedade para decidir a quem e em que condições o indulto será concedido”, adiantou Chingala, reforçando que o número de beneficiários depende dos critérios do Decreto Presidencial em vigor e da análise do perfil dos condenados elegíveis.